Os segredos da Ilha de Páscoa, o lugar mais isolado do mundo
Lugar mais isolado do planeta em relação a qualquer outro ponto de terra, a Ilha de Páscoa, a cinco horas de avião de Santiago, é um livro aberto no Pacífico Sul, repleto de atrações. Daqueles de mistério, com várias possibilidades de desfecho no ar, aberto a múltiplas interpretações e, curiosamente, com diversos títulos, entre eles Rapa Nui a Umbigo do Mundo.
Não demora a você descobrir que, entre as experiências oferecidas na Ilha de Páscoa, há quatro highlights, que vão de crateras de vulcões a praias de areias brancas e o que todo mundo quer ver por lá: os moais. Por isso, uma boa dica é começar a viagem pela pedreira em que 95% dessas misteriosas estátuas foram construídas entre os séculos 13 e 17, no Parque Nacional de Rano Raraku. Estima-se que mais de 900 obras foram talhadas na ilha, das quais 396 ainda permanecem nessa área.
Como os nativos rapa nui não tinham escrita e se mantiveram isolados do mundo por cerca de 500 anos, é difícil saber todos os detalhes históricos, mas a tese mais aceita é que os moais representam antepassados influentes. Eles eram transportados da pedreira para as áreas costeiras da ilha, onde eram depositados sobre plataformas batizadas de ahu, sempre de costas para o mar, de modo a observar e proteger o povo. Quanto mais altos eram, mais zelo ofereciam.
Capaz de pesarem até 80 toneladas (fora os chapéus vermelhos colocados sobre suas cabeças em determinado período e que chegavam a ter até 20 toneladas), os moais eram talhados diretamente na rocha. Ao final do processo, executado por homens honrados e capacitados artesãos (não havia escravos e apenas nobres podiam entrar na pedreira), uma quilha era cortada e, presas por cordas e plataformas de madeira, as estátuas eram transportadas por até 12 km de distância como quando você faz uma geladeira andar, tombando-a de um lado para outro.
A confecção de um moai era realizada com ferramentas de pedra (eles não conheciam metais) e durava quase um ano. Como o processo de levá-los à costa era bastante complexo, muitos deles tombavam pelo caminho. Daí haver tantos ainda na pedreira, como o maior de todos, com 21 metros, que não chegou sequer a ser extraído da montanha (o maior de todos transportado tinha 10 metros).
Ao caírem, segundo os nativos, os moais perdiam o maná, espécie de força espiritual que move o povo e na qual muitos deles ainda têm fé. Assim, eram abandonados ou até mesmo enterrados. O Parque Nacional de Rano Raraku ainda conta com uma cratera de vulcão empoçada que, no mês de fevereiro, serve de palco para o Tapati, uma curiosa competição em que os rapa nui nadam, escalam montanhas e carregam até 25 kg de banana nas costas. É o evento mais esperado da ilha e quando ela fica mais cheia.
Os 15
Como fica em uma área alta, Rano Raraku dá vista para um trecho de escarpas costeiras de Páscoa. Em uma delas está a plataforma de moais mais famosa da ilha, a Ahu Tongariki. São 15 estátuas de diversos tamanhos, sendo que a maior tem oito metros. Todas elas foram restauradas entre 1993 e 1996, já que, assim como todos os moais que ficam na costa, elas foram encontradas tombadas.
Nenhum sobreviveu às guerras das tribos rapa nui, que se voltaram contra as estátuas nos anos 1700, e muitas também foram assoladas por tsunamis. Há sempre muita gente para ver e, portanto, vale a pena visitá-los logo cedo, quando o lugar está mais vazio. Assim também sobra tempo para atravessar a ilha (que tem formato de triângulo graças à presença de três vulcões, um em cada ponta) rumo às únicas duas praias de areia que existem por lá: Ovahe, pequena, cujo acesso se dá pelo alto e proporciona uma linda vista panorâmica, e Anakena, a mais famosa, com areias clara, coqueiros e, como não poderia deixar de ser, uma linda plataforma de moais.
Ainda na trilha das estátuas há pelo menos mais um passeio obrigatório, chamado de Ahu Te Peu–Hanga Roa. Trata-se de uma caminhada de meio dia que margeia falésias com lindas vistas para o Pacífico e que passam pelas cavernas em que os antigos rapa nui moravam, como a imensa Ana Kakenga. O ideal é fazer esse tour pela tarde, pois o término se dá próximo a Hanga Roa, o centrinho de Páscoa.
Ali há vida noturna agitada nos meses mais quentes do ano, um mercado artesanal e o acesso a um sítio histórico com moais importantes, chamado Ahu Tahai. Um deles é o Ko Te Riku, único com olhos restaurados (originalmente eles eram feitos de corais). O outro é o Ahu Vai Ure, um conjunto de cinco estátuas atrás do qual o sol se põe em uma das imagens mais clássicas da ilha.
Homem-pássaro
Passado o período dos moais, por cerca de 200 anos, entre os séculos 18 e o início do século 20, a Ilha de Páscoa viveu uma nova e curiosa fase: a era dos homens-pássaro. Todos os anos, no início da primavera, um candidato de cada tribo que habitava a região participava de uma competição chamada Tangata Manu, que consistia em correr perigosamente pelas paredes de uma cratera de vulcão, escalar escarpas, nadar no mar por 1,4 km com o auxílio de pedaços de pau feitos com totora e alcançar uma ilha, onde manutaras (espécie de gaivota já extinta por lá) depositavam seus ovos.
Quem chegasse primeiro tinha prioridade na escolha do ponto de observação das aves e, assim, levava vantagem em relação aos demais competidores na captura de um ovo. O vencedor concedia ao líder de sua tribo o poder de reinar a ilha por um ano, podendo fazer o que quiser, até mesmo saquear tribos rivais, mas consciente de que, após a prova seguinte, tudo poderia mudar.
Já o competidor, que se preparava a vida toda para a prova, ganhava uma série de honrarias, entre elas a escolha de uma mulher virgem entre as candidatas selecionadas por cada tribo e que passavam boa parte da vida trancadas em uma caverna, sem luz do sol, o que as deixava com a pele alva.
Tudo isso fazia parte de um culto ao deus Make-Make, símbolo de fertilidade, cujo epicentro se dava na vila cerimonial de Orongo. Ali está um museu que conta a história do Homem-Pássaro, com boas ilustrações. Mais o auge do passeio se dá na cratera do vulcão em que era realizada parte da competição, o Rano Kau, do qual se pode observar a ilha em que os ovos eram capturados ali, sozinha, no meio do Pacífico, tal qual um símbolo do isolamento que faz da Ilha de Páscoa um dos locais mais espetaculares do planeta.
Atualizada em: 06/10/2023