Nos rastros do Conde Drácula, na Transilvânia – Voupranos

Nos rastros do Conde Drácula, na Transilvânia

Adobe Stock: Castelo de Corvin, Romênia – SCStock

Chegar à terra do lendário Conde Drácula, na região romena da Transilvânia, não tem nada de assustador. Muito pelo contrário. O trajeto de carro, ou trem, entre Bucareste, a surpreendente e megalomaníaca capital da Romênia, e a Transilvânia é fascinante e repleto de atrações. A começar pelo vislumbre constante das portentosas Montanhas Cárpatas – chamadas pelos moradores de “Alpes romenos” –, que, mesmo nos meses mais quentes do ano, quando a temperatura ultrapassa os 30 ºC, mantêm o topo branquinho de neve.

Ainda que o caminho até a Transilvânia seja, por si só, um senhor cartão de visita das belezas do pedaço, é uma figura mezzo criada pelo escritor irlandês Bram Stocker, mezzo real – o Conde Drácula – que deu, e ainda dá, fama à região. Desde a publicação de Drácula, em 1897, lendas que passavam de geração em geração desde o século 15 e fatos reais se misturaram por ali como em nenhum outro lugar da Europa. Nasciam, então, todas as associações que o imaginário coletivo faz entre a Transilvânia e o mais famoso dos seres das trevas.

Adobe Stock: Busteni, Romênia – Alexanderuhrin

Embora muitos romenos torçam o nariz para a história que há tanto tempo atrai comentários e gente à região, o personagem aguarda os visitantes, como disse no livro de Bram Stocker: “Bem-vindo aos Cárpatos. Estou esperando por você ansiosamente”, desejou o soturno conde ao corretor de imóveis que o visitava na Transilvânia. Ainda que essas palavras não passem de ficção, o vampiro ganha vida nas mãos, ou melhor, no corpo dos próprios turistas, que circulam de capa preta e com pontiagudos caninos de mentirinha no castelo da Transilvânia que
seria o “lar” de Drácula.

O personagem também está representado nos suvenires encontrados em toda lojinha de Sighisoara, onde nasceu Vlad III (1431-1476), fonte de inspiração para que o autor irlandês criasse sua conhecida criatura (veja o quadro Vampiro em pessoa). A narrativa cheia de sangue do Conde Drácula e os causos que moradores e guias sempre têm para contar do sinistro dentuço seduzem mesmo os viajantes, mas a Transilvânia não se reduz a isso. Esperam ainda pelos turistas belas cidades medievais, protegidas por muralhas, caso de Sinaia, Sighisoara, Brasov, Bram e Sibiu, além de vilarejos saxônicos e diversas igrejas fortificadas, como Preymer e Biertan.

Adobe Stock: Brasov, Transilvânia, Romênia – SCStock

Biertan

Ao chegar a Biertan, tombada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco e situada a 27 km de Sighisoara, terra natal de Vlad, mal dá para perceber que se está diante de uma igreja: de fora, avistam-se apenas as torres de controle e um muro de pedra. Ao entrar, guias chamam a atenção para outras camadas de proteção, um complexo emaranhado de concreto e arcos que liberavam diversas grades, cujo objetivo era isolar os invasores que passavam pelos primeiros pontos de defesa.

Na parte dedicada à igreja propriamente há um cômodo, ao lado do altar, que abrigava os tesouros da sacristia e passaria batido, não fossem as 19 fechaduras que decoram a porta, geringonça tida como maravilha da engenharia da época. No entorno do templo há outras estruturas interessantes. Uma delas é um quarto minúsculo, usado, em tempos longínquos, para trancafiar, por três meses, casais que queriam se separar.

Sem ter muito o que fazer e obrigada a dividir a mesma cama (de solteiro), a dupla em desavença era obrigada a conversar sobre seus problemas. Outra igreja fortificada que é show é a Prejmer, também patrimônio da Unesco e que protegia um templo gótico nos arredores de Bram. Em sua estrutura espalham-se 272 mini quartos, que abrigavam famílias camponesas da vila durante as constantes tentativas de tomada do território.

Adobe Stock: Biertan m Transilvânia, Romênia – Andrew Mayovskyy

Adobe Stock: Biertan, Transilvânia, Romênia – Volodymyr Herasymov

É possível caminhar pela escadaria de madeira, olhar cada cômodo e até mesmo passear junto da muralha de proteção. Ali, muitos visitantes, ao verem uma tampa de madeira no chão, pergun­tam do que se trata e então têm autorização para abri-la. Eles olham, olham e não entendem a função daquele bendito buraco. “Isso era um banheiro a céu aberto”, conta o guia. Isso mesmo: o objetivo nada nobre era fazer com que os dejetos dos soldados acertassem os inimigos lá embaixo.

A ameaça otomana era sempre um problema sério e, em alguns momentos do século 15, Vlad III conseguiu conter o avanço deles por ali. E fazia isso com toda a satisfação do mundo, uma vez que, quando criança, o príncipe foi capturado por esses invasores e passou boa parte da infância e adolescência em cativeiro. Ao ser libertado, recrutou um exército e foi à forra, para vingar a si e ao pai e irmão, assassinados pelos otomanos.

Ao capturar esses ou quaisquer inimigos, Vlad preferia matá-los por empalamento, técnica que, com uma estaca, perfurava o castigado sem atingir órgãos vitais, causando uma morte lenta e dolorosa, numa agonia que podia durar 48 horas. A atrocidade chocou até mesmo o líder do Império Otomano na época, o sultão Mehmed II, que havia tomado Constantinopla e deu meia-volta ao chegar numa cidade abandonada da Romênia. A razão foi o “presente” deixado pelo príncipe: 20 mil corpos empalados.

Adobe Stock: Transilvânia, Romênia – Romeof

Adobe Stock: Transilvânia, Romênia – Romeof

Sighisoara

As histórias são muitas, os registros oficiais, relativamente poucos, e o número de vítimas que padeceram nas mãos daquele que entraria para a história como Vlad, o Empalador, bastante impreciso. Certeza mesmo é que a verdadeira ligação do governante com a Transilvânia é seu local de nascimento, uma casinha na lateral da minúscula Praça Cetatii, em Sighisoara.

Pouco restou dessa antiquíssima construção; há apenas um afresco desbotado com imagens de seu pai. Hoje, o espaço abriga um restaurante, que, não por coincidência, chama-se Drácula. A gastronomia da casa não é nenhuma maravilha, mas comer ali vale por estar no lugar em que o figurão da história romena deu seus primeiros passos. Quem quiser pode ir ao suposto quarto onde Vlad nasceu, visita que vira uma experiência um tanto pitoresca. Quando o garçom dá o ok para os visitantes se dirigirem ao cômodo, uma música de filme de terror embala a subida dos turistas pela escada.

Ela prossegue até a chegada ao cantinho que já foi de um inocente principezinho e agora é um ambiente escuro, marcado por feixes de luzes vermelhas e envolto por cortinas de cetim também vermelhas. Um caixão fica no meio do cômodo e, quando menos se espera, um sujeito de braços abertos pula de dentro dele e grita alguma coisa indecifrável em romeno. Alguns quase morrem de susto, outros gargalham e o tosco vampiro de capa preta ri da peça que pregou nos turistas. Na saída, há diver­sos produtos “vampirescos” à venda: café, vinho e canecas do Drácula.

Adobe Stock: Sighisoara, Romênia – Janoka82

Adobe Stock: Sighisoara, Romênia – Cristianbalate

Sibiu

Cidades um pouco maiores, como a ativa e vibrante Sibiu, garantem a parte mais movimentada do roteiro. Por ter sido capital cultural da Europa em 2007, Sibiu sempre tem algum programa interessante, que vai de apresentações artísticas a festivais de música ou de comida. Caminhar ao longo da muralha, com uma vista espetacular das Montanhas Cárpatas – os “Alpes da Romênia” –, é uma delícia. A torre da prefeitura é outro ponto que dá um excelente panorama da cidade, da praça principal Piata Mare, das onipresentes Cárpatas e das muralhas que entrecortam o centro antigo.

Onipresentes também são as casas com “olhos”. É que as janelas nos telhados vermelhos dão a impressão de que as construções têm olhos, já que se assemelham mesmo com essa parte do corpo humano e estão dispostas de um jeito que parecem admirar a praça central.

Adobe Stock: Sibiu, Romênia – SCStock

Adobe Stock: Sibiu, Romênia – Ecstk22

Brasov

Mesmo com a agitação cultural e a beleza arquitetônica, Sibiu não tem todo o charme e a graça de Brasov, que sabe de seu poder de sedução e se exibe com um letreiro à la Hollywood, montado no Monte Tampa, que escancara
seu nome. A Praça Sfatului, no coração da cidade medieval, está repleta de cafés, sorveterias e fachadas barrocas. A Igreja Negra se destaca por ser o maior templo de estilo gótico entre Viena e Istambul, e ganhou esse nome após  um incêndio em 1689 que enegreceu a construção. Em seu interior, destacam-se os 120 tapetes orientais trazidos por mercadores que voltavam sãos e salvos para casa depois de negociações e comércio em terras otomanas.

Como em toda cidade da Tran­sil­vânia, em Brasov também não falta uma muralha. Ali, ela tem incríveis 12 metros de altura e três quilômetros de extensão, mantendo a parte antiga da cidade tal qual era na Idade Média. Ao contornar a estrutura pela parte de fora, seguindo um riozinho, encontra-se uma das melhores vistas. Todo esse visual já seria motivo para deixar o passeio imbatível, mas Brasov ainda serve de ponto de partida para duas excursões bem populares na Romênia: uma rumo à fortificação Rasnov (veja o quadro) e outra para o Castelo de Bram, mais conhecido como “castelo do Drácula”.

Adobe Stock: Castelo de Bram, Transilvânia – Ecstk22

Adobe Stock: Brasov, Romênia – Cristianbalate

Castelo do Drácula

Conforme descrições contidas no livro de Bram Stocker, o Castelo de Bram abrigou Vlad III por algumas poucas noites em 1462 – o que não tem comprovação histórica. Estar ali faz tanto a cabeça dos turistas que eles, de novo, entram no clima da história do conde das trevas, a ponto de tirar fotos vestindo capas pretas e usando dentes fakes de vampiro. O castelo, construído em 1382 na montanha que separa os Estados da Transilvânia e da Valáquia para controlar a passagem dos otomanos, era uma base militar e não abrigava monarcas.

Em 1920, a rainha romena Maria (1875-1938) passou a viver ali e importou diversos mobiliários e pinturas da Europa Ocidental para decorar os aposentos, hoje observados durante a visitação – uma passagem secreta também faz parte do tour.Nada, porém, tem relação com Vlad Tepes, embora crianças corram pelos cômodos gritando “eu sou o Drácula”. Mas, para não dizer que não há um quê de bizarro no local, o coração da rainha Maria está enterrado numa gruta próxima. Foi uma forma “carinhosa” de a soberana demostrar sua grande paixão pelo local.

Adobe Stock: Castelo de Bram, Transilvânia – Janoka82

Adobe Stock: Castelo de Bram, Romênia – Dmitry Naumov

Moeciu de Sus

Depois de tanto seguir os rastros da dupla Vlad-Drácula, nada como se refugiar nos cinematográficos vilarejos no entorno de Bram, como Moeciu de Sus, que oferecem hotéis e pousadas nas montanhas. Neles, o charme está no ambiente tranquilo, nos quitutes produzidos localmente, como queijos, geleias e manteiga, e, claro, nos visuais que revelam, incluindo amanheceres e entardeceres arreba­ta­dores.

Se acordar cedo para curtir o sol nascer não faz a sua cabeça, programe algum tour em contato com a natureza para fazer mais tarde: muitas agências oferecem caminhadas e atividades de aventura na região. Bem diferente das intenções militares que inicialmente cercavam a austero fortificação de Bram, o Castelo Peles, em Sinaia, foi erguido, em 1875, para abrigar os reis da Romênia. Para recebê-los com toda a pompa e circunstância, a construção, aos pés da montanha Bucegi, onde o Estado da Valáquia vira Transilvânia, foi a primeira dedicada a uma família real
europeia a conter sistema de aquecimento central e aspirador de pó – um elevador também integrava o projeto.

De fora, a impressão é de estar contemplando um castelo do sul da Alemanha, por conta das influências germânicas na região. O interior é bastante eclético, com ambientes revestidos de madeira, salões espelhados à la Palácio de Versalhes, que recebiam festas e bailes, e cômodos de estilo árabe. Destaque também para a biblioteca, cheia de armários com portas de vidro e que mantém livros em romeno, alemão e francês – é impossível identificar, mas uma das portas é falsa e servia como passagem secreta para as áreas subterrâneas do castelo.

Adobe Stock: Moeciu de Sus, Romênia – Romeof

Adobe Stock: Moeciu de Sus, Romênia – Andrei

Publicado em: 25/08/2023
Atualizada em: 25/09/2023
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