Como Jericoacoara se transformou em queridinha das celebridades
A chegada de grandes aviões ao simpático aeroporto de Jericoacoara nos últimos anos é algo emblemático para essa vila de praia isolada do resto do continente por um conjunto de dunas e que sempre foi conhecida pela dificuldade de acesso. Antigamente, era preciso planejar a viagem por muito tempo, uma vez que o acesso a Jeri se dava apenas após um périplo digno de aventureiro tarimbado, que incluía enfrentar os 360 km desde Fortaleza até Jijoca de Jericoacoara, sede do município, e lá migrar para as picapes 4×4 com bancos na carroceria, capazes de rodar por caminhos invisíveis entre as dunas.
Ou então seguir pela areia da praia no horário da maré baixa, desde a vizinha praia do Preá, uma vez que não existe estrada até a vila, que fica dentro de um parque nacional. Agora, porém, tudo está mais fácil: Jeri ficou muito mais perto, ainda que esteja no mesmo lugar de sempre: diante de uma enseada mansa, de águas calmas e verdes, onde o vento faz a curva na costa oeste do Ceará.
O aeroporto mais próximo fica pertinho da cidade, no município de Cruz. Desde os anos de 1990, quando Jeri ganhou energia elétrica, existe esse receio de que o turismo de massa pudesse descaracterizá-la completamente. Mas isso não aconteceu, e nem vai.
Uma nova Jeri
Tudo bem que aquele vilarejo de pescadores onde os visitantes dormiam em redes nas casas dos pescadores não existe faz muito tempo. Jeri cresceu. Ganhou pousadas de charme e restaurantes gourmet. Assim, passou a atrair celebridades, que cada vez mais se rendem e divulgam os encantos locais. Por traz disso estão modernidades de cidade grande, como sinal de celular, internet em fibra óptica e máquinas de cartão de débito na maioria dos estabelecimentos.
Existe saneamento básico na vila e até mesmo uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento). Diante disso, o fluxo de visitantes aumentou tanto que, em feriadões, é quase impossível encontrar vaga em alguma pousada se deixar para a última hora. Em dias assim, a famosa Duna do Pôr do Sol parece se transformar, todo fim de tarde, em uma espécie de arquibancada da Marquês de Sapucaí.
Mesmo assim, as ruas ainda são de areia no povoado, tal como sempre foram. Aliás, são apenas meia dúzia de ruas principais. E assim deve continuar, já que a lei ambiental do parque nacional limita novas construções. Não há espaço para Jeri crescer mais. A única opção agora é verticalizar as casas, as quais, por lei, não podem ultrapassar três andares. Para evitar o caos nas ruelas de areia com o aumento dos veículos chegando a todo o momento, foi organizado um estacionamento na parte externa da vila.
Só veículos autorizados dos nativos é que podem circular dentro do povoado. E tem fiscalização: viaturas do Detran multam quem burlar a regra, já que muitos visitantes ainda se arriscam a vir com o veículo próprio ou alugado, assumindo o risco de atolar na areia pelo caminho. Nem tente.
Lagoas e baladas
Se o tempo muda o jeitão da vila, altera também a natureza da região. O vento muda a feição das dunas, a maré provoca um efeito radical na paisagem da praia a cada seis horas e, a partir de janeiro, as chuvas que caem forte enchem as lagoas, garantindo os cenários de areia branquinha e água azul feito mar do Caribe que se veem nas fotos. São as lagoas de Jijoca, para onde vão os bugues e uma turma que curte banho de sol com música eletrônica e muito champanhe.
É que Jeri passou a atrair também uma moçada baladeira, que coloca maquiagem e vestido longo para curtir altas baladas e varar as madrugadas nos shows e forrós. Cada vez mais badalado, o Réveillon de Jeri entrou no circuito dos mais desejados do Brasil e está sempre repleto de famosos.
Tradições
Apesar de sua metamorfose, Jeri ainda preserva alguns curiosos rituais do passado. O maior deles: subir a Duna do Pôr do Sol. É só bater cinco da tarde que a cena se repete: uma multidão caminha com um ar hipnotizado em direção do morro de areia, postado bem de frente ao mar, para assistir ao astro-rei se transformar em uma bola vermelha e iniciar seu mergulho no horizonte.
Parece cena de cinema e a reprise faz o maior sucesso. Logo depois, quando anoitece, começa uma roda de capoeira na praia e um alegre happy hour nas barraquinhas de caipiroskas da Rua Principal. Ali está o maior exemplo de como o dinheiro dos turistas mudou a vida de muita gente em Jeri. As velhas cabanas se transformaram em pousadas e restaurantes, e quem andava de jegue hoje tem quadriciclo.
Tatajuba
Nenhum real ou dólar, porém, pode salvar Tatajuba, o povoado vizinho que foi engolido pelas dunas e teve que ser reconstruído do outro lado de um braço de mar. Ainda hoje, o vilarejo é uma boa amostra do que foi Jericoacoara no passado, rústica e isolada. Alguns bugues vão até lá, mas não entram na vila. Em vez disso, seguem direto para a Lagoa Grande, onde os nativos jogaram uma lona na encosta da duna para criar um tobogã radical.
Atualizada em: 07/11/2024