Está chegando a temporada dos Lençóis Maranhenses
Visto do avião, o cenário se parece um imenso quintal com lençóis brancos estendidos para quarar ao sol. Contudo, basta aterrissar e caminhar naquelas areias alvas para constatar que toda aquela beleza vislumbrada do alto nada mais é do que um enorme conjunto de dunas pontilhadas por milhares de lagoas formadas pelas águas da chuva. Nos Lençóis Maranhenses tudo é diferente, grandioso e intrigante. Afinal, como um deserto de 80 km de extensão pôde se formar ao longo de uma costa, em região tão úmida?
A resposta está no caráter peculiar da geologia da região. Rios de leito arenoso, como o Parnaíba e o Preguiças, depositam areia na foz o tempo todo. Com a ajuda dos ventos que sopram do mar na direção do continente, os grãos são levados para longe. O resultado são dunas, de até 40 metros de altura, entremeadas por centenas de lagoas de água doce, formando uma paisagem tão impressionante quanto silenciosa, só interrompida pelo barulho do vento. A explicação para a formação dos lagos, por sua vez, está escondida por baixo dos lençóis.
O segredo da natureza reside na camada de argila subterrânea que impede a água da chuva de se esvair até as profundezas da terra, formando um lençol freático logo abaixo das dunas. É ele o responsável por manter tamanha umidade em pleno deserto. Já a existência dos peixes divide a opinião de estudiosos. Alguns afirmam que os ovos de alevinos seriam transportados até ali nas asas de pássaros que costumam dar seus mergulhos na beira do Rio Preguiças. Outros defendem a tese de que, quando as lagoas secam após o inverno, os ovinhos dos peixes ficariam enterrados na areia, como se fossem um fóssil vivo, para eclodirem no ano seguinte, quando os vales entre as dunas voltam a encher de água.
Pelo menos durante os seis primeiros meses do ano, a época de chuva garante o aparecimento não só dos lagos como também de aves migratórias e tribos de nativos nômades que armam suas barracas de buriti às margens dos manguezais para garantir a subsistência por meio da pesca.
O melhor período para visitar a região, no entanto, vai de maio a setembro, quando as chuvas já pararam e as lagoas estão cheias. Algumas delas chegam a atingir 2 km de extensão e cinco metros de profundidade. Nessa época, aviões monomotores sobrevoam a área e os veículos 4×4 partem da cidade de Barreirinhas, atravessando as acidentadas estradas do parque nacional, para levar os visitantes para caminhar e nadar nas lagoas azuis dos Lençóis.
Depois, tudo se transforma: a água evapora e cede lugar a paisagens áridas, que mais lembram o deserto do Saara. A recreação na água passa a se restringir apenas a algumas poucas lagoas perenes, como a do Peixe e a da Esperança. Nas demais, a vida vai-se embora, deixando como testemunhas o sol impiedoso e o céu sempre azul do período de seca. Momento de dar ouvidos ao silêncio e refletir.
Em qualquer época do ano, chegar ao parque exige boas doses de disposição à aventura. Principalmente se a estrada for o meio de transporte eleito para enfrentar os 252 km que separam a capital São Luís da cidade de Barreirinhas, porta de entrada da reserva. O trajeto alterna asfalto com trechos de terra batida e parece não terminar nunca. Dali, são necessários mais 40 minutos em caminhões adaptados, tipo jardineira, pelas picadas do parque nacional.
Se o percurso for feito de barco, o tempo gasto será ainda maior: nada menos que 14 horas. Mas também se pode cumprir o caminho em aviões monomotores, que chegam a reduzir a viagem para apenas uma hora – a preços, é claro, bem mais salgados.
Normalmente os roteiros turísticos visitam somente as lagoas mais próximas à estrada e duram cerca de quatro horas – ou seja, água, boné, óculos de sol e protetor solar são itens imprescindíveis. Mas também existem passeios, inclusive usando quadriciclos, que atravessam as dunas até o litoral, percorrendo mais de 100 km de lagoas naturais. Essa travessia pode ser estendida para ambos os lados e garante a experiência única de pernoitar nos oásis perdidos entre as dunas para descansar e interagir com as comunidades tradicionais.
Estima-se que cerca de 3.000 pessoas, divididas em 18 comunidades, vivam dentro do parque nacional, migrando de um canto a outro ao sabor dos ventos, tal como as próprias areias das dunas. Mas o número de visitantes é restrito. Para que esse fluxo turístico cresça sem prejudicar o meio ambiente, a prefeitura de Barreirinhas tem incentivado outros passeios interessantes na região, como o boia-cross no Rio Formiga e o roteiro em barcos de alumínio – a conhecida voadeira – pelo sinuoso Rio Preguiças.
Primeira parada: Vassouras, onde a paisagem, até então formada por mangues, cede espaço a pequenas dunas pontilhadas por casas de palha à margem direita. Na maré cheia, a água invade a vegetação e cria braços fluviais navegáveis. Segunda parada: Mandacaru, onde um farol desponta em meio às palmeiras de buriti e carnaúba. Mas não vale ficar muito tempo ali. O melhor é deixar para descansar na foz, quando a aventura termina em meio ao encontro de águas e a praia de dunas na Península de Caburé, ao lado do encontro do rio com o mar.
Esses passeios tornam ainda mais especial a viagem ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, um lugar que todo brasileiro deveria conhecer, nem que fosse apenas para descobrir que o Brasil é cheio de intrigantes surpresas.
Atualizada em: 31/03/2023