Está chegando a temporada dos Lençóis Maranhenses – Voupranos

Está chegando a temporada dos Lençóis Maranhenses

Visto do avião, o cenário se parece um imenso quintal com lençóis brancos estendidos para quarar ao sol. Contudo, basta aterrissar e caminhar naquelas areias alvas para constatar que toda aquela beleza vislumbrada do alto nada mais é do que um enorme conjunto de dunas pontilhadas por milhares de lagoas formadas pelas águas da chuva. Nos Lençóis Maranhenses tudo é diferente, grandioso e intrigante. Afinal, como um deserto de 80 km de extensão pôde se formar ao longo de uma costa, em região tão úmida?

Tales Azzi/Editora Europa

A resposta está no caráter peculiar da geologia da região. Rios de leito arenoso, como o Parnaíba e o Preguiças, depositam areia na foz o tempo todo. Com a ajuda dos ventos que sopram do mar na direção do continente, os grãos são levados para longe. O resultado são dunas, de até 40 metros de altura, entremeadas por centenas de lagoas de água doce, formando uma paisagem tão impressionante quanto silenciosa, só interrompida pelo barulho do vento. A explicação para a formação dos lagos, por sua vez, está escondida por baixo dos lençóis.

Tales Azzi/Editora Europa

O segredo da natureza reside na camada de argila subterrânea que impede a água da chuva de se esvair até as profundezas da terra, formando um lençol freático logo abaixo das dunas. É ele o responsável por manter tamanha umidade em pleno deserto. Já a existência dos peixes divide a opinião de estudiosos. Alguns afirmam que os ovos de alevinos seriam transportados até ali nas asas de pássaros que costumam dar seus mergulhos na beira do Rio Preguiças. Outros defendem a tese de que, quando as lagoas secam após o inverno, os ovinhos dos peixes ficariam enterrados na areia, como se fossem um fóssil vivo, para eclodirem no ano seguinte, quando os vales entre as dunas voltam a encher de água.

Casa de pescador na margem do Rio Preguiças – Tales Azzi/Editora Europa

Pelo menos durante os seis primeiros meses do ano, a época de chuva garante o aparecimento não só dos lagos como também de aves migratórias e tribos de nativos nômades que armam suas barracas de buriti às margens dos manguezais para garantir a subsistência por meio da pesca.

Tales Azzi/Editora Europa

O melhor período para visitar a região, no entanto, vai de maio a setembro, quando as chuvas já pararam e as lagoas estão cheias. Algumas delas chegam a atingir 2 km de extensão e cinco metros de profundidade. Nessa época, aviões monomotores sobrevoam a área e os veículos 4×4 partem da cidade de Barreirinhas, atravessando as acidentadas estradas do parque nacional, para levar os visitantes para caminhar e nadar nas lagoas azuis dos Lençóis.

Depois, tudo se transforma: a água evapora e cede lugar a paisagens áridas, que mais lembram o deserto do Saara. A recreação na água passa a se restringir apenas a algumas poucas lagoas perenes, como a do Peixe e a da Esperança. Nas demais, a vida vai-se embora, deixando como testemunhas o sol impiedoso e o céu sempre azul do período de seca. Momento de dar ouvidos ao silêncio e refletir.

Em qualquer época do ano, chegar ao parque exige boas doses de disposição à aventura. Principalmente se a estrada for o meio de transporte eleito para enfrentar os 252 km que separam a capital São Luís da cidade de Barreirinhas, porta de entrada da reserva. O trajeto alterna asfalto com trechos de terra batida e parece não terminar nunca. Dali, são necessários mais 40 minutos em caminhões adaptados, tipo jardineira, pelas picadas do parque nacional.

Água cristalina das lagoas vem das chuvas dos primeiros meses do ano – Tales Azzi/Editora Europa

Se o percurso for feito de barco, o tempo gasto será ainda maior: nada menos que 14 horas. Mas também se pode cumprir o caminho em aviões monomotores, que chegam a reduzir a viagem para apenas uma hora – a preços, é claro, bem mais salgados.

Normalmente os roteiros turísticos visitam somente as lagoas mais próximas à estrada e duram cerca de quatro horas – ou seja, água, boné, óculos de sol e protetor solar são itens imprescindíveis. Mas também existem passeios, inclusive usando quadriciclos, que atravessam as dunas até o litoral, percorrendo mais de 100 km de lagoas naturais. Essa travessia pode ser estendida para ambos os lados e garante a experiência única de pernoitar nos oásis perdidos entre as dunas para descansar e interagir com as comunidades tradicionais.

Veículo 4×4 com turistas no caminho para as dunas dos Lençóis – Tales Azzi/Editora Europa

Estima-se que cerca de 3.000 pessoas, divididas em 18 comunidades, vivam dentro do parque nacional, migrando de um canto a outro ao sabor dos ventos, tal como as próprias areias das dunas. Mas o número de visitantes é restrito. Para que esse fluxo turístico cresça sem prejudicar o meio ambiente, a prefeitura de Barreirinhas tem incentivado outros passeios interessantes na região, como o boia-cross no Rio Formiga e o roteiro em barcos de alumínio – a conhecida voadeira – pelo sinuoso Rio Preguiças.

Primeira parada: Vassouras, onde a paisagem, até então formada por mangues, cede espaço a pequenas dunas pontilhadas por casas de palha à margem direita. Na maré cheia, a água invade a vegetação e cria braços fluviais navegáveis. Segunda parada: Mandacaru, onde um farol desponta em meio às palmeiras de buriti e carnaúba. Mas não vale ficar muito tempo ali. O melhor é deixar para descansar na foz, quando a aventura termina em meio ao encontro de águas e a praia de dunas na Península de Caburé, ao lado do encontro do rio com o mar.

Esses passeios tornam ainda mais especial a viagem ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, um lugar que todo brasileiro deveria conhecer, nem que fosse apenas para descobrir que o Brasil é cheio de intrigantes surpresas.

Publicado em: 30/03/2023
Atualizada em: 31/03/2023
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