Ilha da Madeira, a melhor ilha do mundo
Uma caixa de vidro com troféus dourados chama a atenção de quem desembarca no aeroporto de Funchal, a capital da Ilha da Madeira. De longe, a fileira de estatuetas com uma esfera dourada faz o pensamento logo remeter para a taça da Copa do Mundo de futebol – até porque a cidade é berço do craque Cristiano Ronaldo, que, inclusive, dá nome ao aeroporto. Mas bastou eu me aproximar um pouco para entender que não se trata do prêmio concedido pela Fifa, e sim do World Travel Awards, espécie de Oscar do turismo mundial. Nos últimos sete anos, o arquipélago a cerca de mil quilômetros da costa portuguesa, mantém o título de melhor destino insular do planeta. E razões não faltam para isso.
Com clima agradável o ano inteiro, florestas, penhascos que se debruçam sobre o mar proporcionando belíssimos cenários panorâmicos e mais de 600 anos de história, essa região autônoma de Portugal arrebata o coração de qualquer visitante. E ainda cativa o paladar com uma infinidade de restaurantes, bares e vinícolas excelentes para saborear pratos típicos seguidos do famoso vinho madeira, que há séculos leva o nome da ilha para os mais diversos países.
A hospitalidade dos moradores e o apreço que têm pelas flores também não passam despercebidos. Assim que ingressei na van que faria o traslado até o hotel, o motorista, Roberto Jesus (um “madeirense da gema”, em suas próprias palavras), foi logo apresentando as plantas de sua terra natal. Canteiros de jacarandás, agapantos, massarocos e estrelítzias (a flor-símbolo da Madeira, conhecida como “ave do paraíso”) descortinavam-se pela janela do veículo, fora os arranjos da tradicional Festa da Flor, um dos eventos mais aclamados do calendário local, que havia encerrado poucos dias antes da minha chegada.
Não demorou muito para eu entender por que a Madeira tem fama de viver em uma eterna primavera. Além das flores que decoram as vias públicas em todas as estações, a ilha é famosa entre os europeus por seu ar puro e clima excepcionalmente ameno, marcado por poucas variações de temperatura ao longo do ano.
Foram essas características que transformaram a Madeira em um destino de férias recorrente entre monarcas europeus e personalidades dos mais variados naipes, desde Cristóvão Colombo (1451-1506), que morou alguns anos em Porto Santo (a segunda ilha habitada do arquipélago), até Sissi (1837-1898), a mais famosa imperatriz da Áustria, que aportou ali em 1860 para curar-se de uma tuberculose respirando o ar puro das montanhas. Depois, veio o ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1965), que, num belo dia de janeiro de 1950, estacionou um Rolls Royce na charmosa cidade de Câmara de Lobos e montou um cavalete à beira da baía para retratar com seus pincéis o belo cenário do mar adornado pelo vaivém dos barcos de pesca.
Funchal
A capital madeirense, na porção sul da ilha, é o ponto de partida ideal para quem ainda não conhece o arquipélago e quer saber um pouquinho mais sobre a sua história. Primeira cidade portuguesa ultramarina com diocese, órgãos públicos e alfândega, Funchal foi o centro do comércio do Atlântico a partir de 1500 e ponto de parada obrigatória dos navios responsáveis pelo comércio entre a Europa e a África.
Para protegê-la dos ataques de piratas, os portugueses ergueram as fortalezas de Santiago e de São Lourenço, esta última, reformada no século 19, serve, atualmente, de residência do presidente Miguel Albuquerque, já que a Ilha da Madeira é uma região autônoma de Portugal. Caminhar pelas agradáveis ruas do centro histórico de Funchal permite uma deliciosa imersão nos costumes e principais símbolos da cultura madeirense. A começar pelo Blandy’s Wine Lodge, o armazém de uma das maiores produtoras do vinho madeira, de textura encorpada, sabor licoroso e alto teor alcoólico. Na visita guiada, que custa € 11, o turista aprende sobre o processo de fabricação da bebida, conhece um museu que conta os 200 anos de trajetória da empresa e, no final, participa de uma degustação para entender na prática a diferença entre as quatro variações da bebida (resumidamente, as versões seca e meio-seca devem anteceder as refeições, como um aperitivo, enquanto que a doce e a meio-doce funcionam como um licor digestivo).
Depois de saborear cada uma delas, bastam cinco minutos de caminhada (trançando ou não as pernas) pela Avenida Arriaga para restabelecer o nível de glicose do sangue saboreando os sequilhos, as broas e o famoso bolo de mel da Fábrica Santo Antônio, que mantém uma charmosa lojinha retrô na Travessa do Forno. E, a menos de 300 metros dali, alcança-se a Bordal, uma associação de artesãs especializadas no tradicionalíssimo bordado madeira, que utilizam uma técnica típica do arquipélago para enfeitar tecidos de linho, seda, algodão e organdi.
Além desses ícones locais, perambular pelo centro de Funchal revela bem o estilo de vida do madeirense, que costuma ler o jornal tomando uma “bica” (expresso) nas mesas de cafés como o Golden Gate, o mais antigo da ilha, aberto desde 1841.
Também faz parte da rotina dos ilhéus ir até o Mercado dos Lavradores para comprar frutas, hortaliças e peixes. Para o turista, o programa é um deleite: simpáticas senhoras com roupas típicas vendem flores no piso térreo, enquanto o mezanino é reservado a boxes de frutas cristalizadas, chás, essências e toda sorte de suvenir. Mas atenção: o prédio fecha aos domingos e funciona só até as 14h aos sábados.
Nenhum programa em Funchal, porém, é mais interessante – e divertido – do que subir de teleférico até a parte alta da cidade. E há dois bons motivos que vão muito além da incrível vista que se tem lá de cima. O primeiro é a visita ao Jardim Tropical Monte Palace (a entrada custa € 12,50). Fora a infinidade de plantas, o local conta a história de Portugal em dezenas de painéis de azulejo e abriga um museu com exposições permanentes de minerais das Américas e de esculturas africanas.
O segundo motivo é que, uma vez lá em cima, você poderá encerrar o dia a bordo de um tradicional carro de cesto (€ 15). Trata-se de uma espécie de trenó, feito de vime e madeira, que desliza 2 quilômetros ladeira abaixo, até o Livramento. Para evitar acidentes, o cesto é conduzido pelos chamados “carreiros”, que vestem roupa branca, chapéu de palha e botas com grossas solas de borracha (fundamentais para as freadas).
Nem é preciso dizer que, para manobrar a geringonça, o carreiro tem de ser madeirense “da gema” e ter muita experiência. Um know how passado de pai para filho desde os idos de 1850, quando o carro de cesto era o meio de transporte usado pelos moradores do bairro do Monte. Mas hoje ele só serve mesmo para divertir – e muito! – os turistas.
Jeep Tour rumo às praias e mirantes
Uma boa maneira para explorar os cantinhos mais selvagens da Madeira é fazendo um Jeep Tour. O passeio de dia inteiro (€ 48 por pessoa, pela Green Devil Safari) funciona como uma espécie de menu-degustação de tudo o que a ilha oferece de melhor fora da capital.
Primeiro, há paradas na formosa baía de Câmara de Lobos e na sua atração mais estonteante: o Cabo Girão, onde um mirante com piso de vidro que se projeta no alto de um penhasco, a 589 metros de altitude, rende fotos vertiginosas da costa e um inevitável frio na barriga.
Depois, o jipe segue pela estrada da antiga Encumeada rumo à cidade de São Vicente. É lá que fica a Quinta do Barbusano, uma vinícola que deixa qualquer apreciador de vinhos inebriado. Dá para visitar os parreirais ouvindo explicações sobre o processo de produção e participar de uma degustação de seis vinhos de mesa harmonizados com queijos e embutidos. Por fim, o almoço: uma típica espetada (carne grelhada com alho em espeto de galhos de louro) diante da bela paisagem do vale verde com a torre da Capela dos Lameiros ao fundo.
Após o almoço, o tour prossegue por algumas das praias mais belas da região, como a de Seixal, que chama atenção por sua orla de areia preta; a de Ribeira da Janela, onde enormes rochedos despontam do mar; e Porto Moniz, um dos balneários mais badalados da ilha, com suas belas piscinas naturais à beira-mar.
Em tempo: vale pagar € 3 para curtir o bem-bom na área privativa do clube desportivo de Porto Moniz. Só não espere fincar um guarda-sol na areia, pois quase todo o litoral da Madeira é cercado exclusivamente por pedrinhas redondas de origem vulcânica. As únicas praias com areia, em Calhetas e Machico, são artificiais, feitas com grãos trazidos de Portugal e do Deserto do Saara, no Marrocos.
Já o mar ao redor da ilha é tão profundo que baleias cachalote, vez ou outra, podem ser vistas nadando junto aos costões, e os transatlânticos encostam no porto de Funchal bem ao lado da Avenida Beira-mar. A VMT Madeira tem embarcações que saem duas vezes por dia da marina de Funchal para observação de baleias e golfinhos. O passeio custa € 35 e dura cerca de três horas, com parada para banho. No retorno, aproveite para curtir o alto-astral da marina de Funchal e seus restaurantes, perfeitos para experimentar lapas (molusco local, semelhante a uma ostra) e o peixe-espada-preto com banana, dois musts da gastronomia madeirense. Tudo, claro, precedido por uma poncha regional (bebida típica feita com aguardente de cana, mel, suco de laranja e limão).
O ideal é explorar cada cantinho sem pressa. Afinal, há muito que fazer por lá, e sempre com total segurança. Após assistir a um concerto da mais antiga orquestra de cordas do mundo, a Orquestra de Bandolins da Madeira, ou participar de um jantar seguido de show no cassino, por exemplo, o turista pode voltar caminhando tranquilamente para o hotel, em plena madrugada.
São esses diferenciais que, somados à cultura singular e à natureza exuberante, fazem da ilha um lugar tão especial. Se, na chegada a Funchal, aquela fileira de troféus me surpreendeu, no retorno ao aeroporto, não tive dúvidas: a Madeira merece mesmo muitos e muitos prêmios de melhor destino insular do mundo.
Atualizada em: 26/04/2023